8 de agosto de 2016

Resenha - Minha metade silenciosa

Cuidado, pode ter alguns Spoilers!!! Mas leia mesmo assim!
Livro: "Minha metade silenciosa"
Autor: Andrew Smith
Editora: Gutenberg
ISBN: 9788501105158
Ano: 2014
Páginas: 304
Skoob: Livro
Estrelas: 5 - Melhor leitura que eu já tive.

Sinopse: "Stark McClellan tem 14 anos. Por ser muito alto e magro, tem o apelido de Palito, mas sofre bullying mesmo porque é “deformado”, já que nasceu apenas com uma orelha. Seu irmão mais velho, Bosten, o defende em qualquer situação, porém ambos não conseguem se proteger de seus pais abusivos, que os castigam violentamente quase todos os dias. Ao enfrentar as dificuldades da adolescência estando em um lar hostil e sem afeto – com o agravante de se achar uma aberração –, o garoto tem na amizade e no apoio do irmão sua referência de amor, e é com ela que ambos sobrevivem.
Um dia, porém, um episódio faz azedar terrivelmente a relação entre Bosten e o pai. Para fugir de sua ira, o rapaz se vê obrigado a ir embora de casa, e desaparece no mundo. Palito precisa encontrá-lo, ou nunca se sentirá completo novamente. A busca se transforma em um ritual de passagem rumo ao amadurecimento, no qual ele conhece gente má, mas também pessoas boas. Com um texto emocionante, personagens tocantes e situações realistas, não há como não se identificar e se envolver com este poético livro".


***

“- [...] Agora você pode dizer para as pessoas que você dirige a noite e.. ah, com uma mão só, e explode coisas e beija de língua meninas mais velhas quando ninguém está olhando”.

Eu preciso dizer que essa resenha não vai ter roteiro nenhum, porque eu realmente não tenho emocional para montar algo certinho como as outras resenhas. Nessas minhas outras trinta leituras até então, nenhum outro livro conseguiu mexer comigo da forma como esse livro mexeu. E eu não estou falando de chorar e de me apaixonar – não que isso não tenha acontecido. Mas antes, acho importante falar do autor.
Andrew Smith é o responsável por essa trama. Ele é responsável por nove romances juvenis e já ganhou diversos prêmios. Nascido na Califórnia, foi durante o ensino médio, quando era editor do jornal do colégio, que descobriu sua vocação para a escrita. Graduado em Ciências Políticas, Jornalismo e Literatura, experimentou a carreira jornalística, mas percebeu que aquele não era o tipo de escrita que sonhava fazer. Passou grande parte da juventude viajando pelo mundo, dedicando-se aos mais diversos trabalhos. Ao se estabelecer definitivamente no sul da Califórnia, tornou-se professor de adolescentes em situação de risco, o que o inspirou em seus textos.
Incentivado por um amigo escritor, publicou seu primeiro romance em 2008: A cura invisível, indicado como um dos melhores livros do ano para jovens adultos. Seus outros trabalhos também foram muito bem-recebidos pela crítica, entre eles, A lente de Marbury (melhor ficção juvenil de 2010 pela Amazon, livro do ano pela Publishers Weekly e escolha do editor pela Booklist) Minha metade silenciosa (também publicado no Brasil pela Editora Gutenberg) e In the Path of Falling Objects (Southwest Book Award de 2011). Atualmente, Smith vive na região de montanhas perto de Los Angeles com a esposa, dois filhos adolescentes, dois cavalos, três gatos e um lagarto arisco chamado Leo.

“Eu sou feio”.

Eu só posso dizer que eu senti, talvez pela primeira vez nessa minha vida de leituras, que a história, o enredo, me envolveram de uma forma única, singular. Eu me peguei horrorizado na primeira parte do livro. Horrorizado com aquela realidade que Stark e Bosten viviam. Horrorizado com as regras, com seus pais e suas atitudes, com as regras, com a falta de afeto e a forma como Stark acreditava, na sua mente ainda de criança que inicia a faze da adolescência, que aquilo tudo era normal.
Era normal apanha até ficar em carne viva. Era normal ficar preso dias em um quartinho, pelado, tendo que fazer suas necessidades em um balde. Era normal não ter nenhum tipo de afeto materno e paterno... Eu só percebi o quanto eu estava horrorizado com o caminho que história estava tomando no momento em que a primeira parte terminou e entrou a segunda, intitulada “Califórnia”. Foi nesse momento que eu percebi que estava prendendo a respiração e que agora eu poderia soltar. De alguma forma, na minha mente, enquanto eu estivesse naquela parte o ar ainda estaria denso demais, lotado de fumaça de cigarro, de dor, de tristeza... E eu não queria respirar esse ar.
Foi na segunda parte que eu percebi a forma como um livro muda a sua visão. Quando a tia dos garotos, Dahlia, apareceu, eu senti, verdadeiramente que havia uma possibilidade de salvação, de que nessa história, o final pudesse ser feliz. Percebi também que nunca havia desejado um final feliz tanto assim na minha vida.
Dava para notar a diferença, o clima. Na Califórnia tudo era leve, colorido, ensolarado e feliz. Dahlia, que não conhecia os garotos, apareceu na história como um anjo prestes a salvar duas vidas que tinham tudo para não evoluir para lugar nenhum. O jeito como o autor mostrou a diferença entre a sociedade foi o que deixou meus olhos mais marejados e vermelhos. Enquanto na cidadezinha do interior de Washington, onde, não ter uma orelha era tratado como um anomalia digna de retardo mental, e em que você era zoado de todas as formas por ser diferente, ou alto demais, ou quieto, na Califórnia, as pessoas eram mais soltas, sem preconceitos, acolhedoras. Eu me peguei em vários momentos suspirando pela forma como os dois eram tratados na cada de Dahlia. Era como se, toda vez que o autor escrevia algo bom, algo que acontecia som os meninos e que feliz e carinhoso, meu peito se dilatasse e eu agradecesse a ele por isso. Esse foi o meu nível de relacionamento com a trama.
Mas nada se comparou ao momento em que mais coisas se desenrolaram e aconteceram. Não bastasse a agressão doméstica, o ódio dos pais, a nevoa persistente de cigarro e de tristeza, as malditas regras de outro mundo – como não poder tomar banho em casa nos dias de semana por que eles já tomavam na escola – o autor ainda nos presenteia com algo que só nos deixa mais indignado: pedofilia.
Se o meu peito já estava preso com tudo o que eu tinha visto até meados da página 100, depois disso ele se tornou só destroços. Quando você pensa que nada de pior pode acontecer, isso aparece no seu colo. O autor diz: “Tô, segura essa barra ai”, e você fica lá, paralisado, tentando processar e visualizar aquela realidade.
De forma bem explosiva e realista, Andrew Smith nos mostra uma realidade – sim, infelizmente isso deve acontecer por ai sim, não em escala tão colossal, mas deve acontecer – pungente e assertiva. Nos apresenta dois heróis, Stark, de 13 anos, e seu irmão e fiel companheiro, Bosten, de 16. Para compensar todo esse caos e tristeza, o autor nos presenteia com uma relação de irmãos maravilhosa. De cuidado, proteção, amor – amor verdadeiro mesmo, verdadeiro ao ponto de se aguentar o que Bosten aguentava, apenas para ficar perto de seu irmão. Tem um momento no livro, que eu não vou lembrar ao certo qual é, porque a leitura voou de tal forma que eu não tive tempo de parar e marcar, que Bosten diz que ele ainda não fugiu, porque ele não poderia deixar seu irmão sozinho lá. Que se ele fizesse isso, seria o fim de Stark. “Palitoso” é a forma como Bosten chama seu irmão mais novo.
Eu acho que nunca, nenhuma frase em um livro me fez tremer e emoção, e alegria, e agradecimento, quanto a parte em que Bosten liga, de hollywood para Stark, e diz: “Meu garoto Palitoso”. Eu chorei sim nessa hora. Eu parei e respirei, porque durante toda a terceira parte do livro eu sofri achando que Bosten tinha morrido. Eu realmente tive um calafrio ao ler isso e chorei enquanto sorria.

"E não há amor na minha casa, somente regras".

Eu acho que todo livro deveria fazer isso com você.
Deveria fazer você se apaixonar não só pelo principal ou por um ou outro coadjuvante. Os livros deveriam fazer você ter emoções diversas em relação a todos os personagens. Emily, Dahlia, Evan, Him, o caminhoneiro milagroso que eu não lembro o nome, os pais de Emily... Eu sei que a cada parte que eles apareciam eu agradecia um pouco, pois sabia que deles não viria nada que pudesse machucar Bosten e Stark.
A forma como todos parecem cuidar dos garotos me deu um conforto tão grande. Sempre que Stark dizia algo como “na minha casa nós não usamos pijama”, “Na minha casa nós lavamos nossas roupas, pois minha mãe diz que coisas de garoto são sujas”, “Na minha casa nós não podemos ficar na cama”... A cada frase como esse eu ficava com mais raiva, tristeza e um pouco de dó. Um mix assim de sentimentos.
Confesso que estou escrevendo isso freneticamente, e que apesar de ter amado incondicionalmente essa leitura, o final me despedaçou de uma forma que eu não acreditava que poderia acontecer.

“Tudo estava mudando. Tudo, menos aquela metade silenciosa da minha cabeça”.

“Bosten está matriculado em um supletivo, mas não sei se ele aprendeu direitinho a seguir em frente”.
Eu realmente acho que nunca fiquei tão triste com uma frase como fiquei com essa. Enquanto presenciamos um crescimento pessoal de Stark durante a história, seu amadurecimento precoce, mas necessário, tornando-se um rapaz confiante, forte, e, ao contrário do que todos o faziam se sentir, bonito, eu não posso s=negar que a caminhada de Bosten, as coisas que ele passou – que seu namorado passou depois que todos descobriram que os dois era gays – só o fez atrofiar. Não que seja fácil seguir em frente depois de tudo o que ele passou. Abuso sexual, agressões, falta de amor em casa, falta de estrutura... MEU DEUS DO CÉU, ELES NÃO PODIAM FALAR NO TELEFONE NEM USAR SHAMPOO E CONDICIONADOR... Eu entendo isso, e o final dele foi tenso, fois bem real, já que é realmente isso que acontece com garotos que passam pelo que ele passou... Mas no fundo do meu coração eu realmente imaginei que depois de toda a subida eles conseguiriam estacionar em um lugar calmo e feliz para viver. Deixar essas merdas todas para trás... E fiquei muito mal ao ler essa frase, entender que, não importasse o que fosse, mesmo estando em segurança agora, ele não seguiria em frente “direitinho”. Ainda tenho vontade de chorar só de imaginar Bosten não seguindo em frente depois de tudo.

“Às vezes, eu me perguntava o que os havia deixado daquele jeito, mas Bosten me explicou que não são as coisas que deixam as pessoas do jeito que elas são. Ele disse que não era como pegar um resfriado ou coisa assim. Você simplesmente é de determinado jeito”.

Eu peguei esse livro para ler ao acaso. Estava há 3 dias sem ler nada e falei: “Preciso ler algo”. Olhei para a estante e escolhi ele na sorte. Nunca imaginei que ficaria assim depois de lê-lo. Que a experiência de leitura seria tão grandiosa assim. A forma como a história é contada, os artifícios que o autor usa para mostrar que Stark é diferente, os espaçamentos, a orelha faltando na parte de trás do livro, a forma como os pensamentos mais íntimos de Stark são colocados do lado direito, do lado em que ele não tem orelha e tudo é silencioso.
Eu nunca dei nada para esse livro. Comprei nem lembro o porque. Se eu soubesse que essa seria a minha experiência de leitura, já teria lido há muito tempo. Mas acredito que se eu só fui ler agora, é porque de alguma forma esse era o momento. Eu estou anestesiado, e posso dizer com certeza que esse foi o melhor livro que eu li na minha vida.

"Sempre que Bosten me chamava de Palitoso eu sabia que ele estava planejando alguma loucura. Era nosso código, a única coisa que nossos pais ainda não tinham descoberto".

31/55 – A melhor leitura que eu já tive até hoje.

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